segunda-feira, 26 de julho de 2010

Chuva de lágrimas ..



A chuva cai e com ela, a melancolia de um entardecer triste. O vento balançando a copa das árvores se assemelha ao vai e vem da menina que antes brincava no balanço. As pessoas procuram se esconder em lugares cobertos e iniciam um papo cordial de como o tempo mudou.. A mãe protege o filho com uma capa de plástico. Desconhecidos dividem um lugar no guarda-chuva. A mulher sai do salão de beleza e tenta cobrir o cabelo com o livro que estava jogado no carro. O homem tenta, inutilmente, não molhar os sapatos recém engraxados. A chuva continua caindo..
No meio da rua, observo os pingos d’água caírem no asfalto. O calor é substituído por uma brisa que bate suavemente pelo rosto. As pessoas correm para suas casas. Agradecem por terem chegado logo, deitam embaixo do edredom e desejam tomar uma sopa quente. É só mais um dia de chuva..
Deixo as gotas lavarem minha alma. Posso enfim, exteriorizar as lágrimas que tanto guardei. Não sei mais distinguir o que sai de mim e o que vem da chuva.
O vento bagunça meus cabelos e varre o rastro de dor do meu peito. Meu olhar se funde com céu cinzento. O dia triste e tedioso é a representação perfeita do meu interior.. As ruas estão vazias, somente alguns carros passando.. A cidade se encolheu. Meu corpo se fechou.
Os olhos vermelhos escondem a fúria de um coração desmatado. Espero, ansiosamente, que as gotas de chuva ajudem a apagar o incêndio da dor.
A chuva cessou..
Por dentro, o temporal ainda cai. Nuvens negras anunciam tempos difíceis. Raios e trovões acendem o céu. A energia acabou. A escuridão impede que a esperança veja a luz.. Fechei meus olhos. Me agarrei em um galho que havia caído com a forte ventania e deixei que a chuva de lágrimas, seguisse molhando meu peito..

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Meu herói..




Hoje me lembrei de você como há muito tempo não me permitia. Deixei vir à tona as lembranças e não impedi que lágrimas de saudade cobrissem meu rosto.
O peito foi invadido por uma nostalgia melancólica. As pernas desobedeceram o comando do cérebro e fraquejaram. Sentei-me diante do seu retrato, tão bem posicionado na sala de estar, e contemplei a sua aparência tranquila. Hoje se completa mais um ano e foram tantos desde que você se foi.
O acúmulo de anos, meses e dias não foram suficientes para apagar a dor da sua ausência. Faz falta sua presença imponente e protetora. O modo como agradecia e celebrava a vida. A maneira firme de conduzir os negócios. A alegria que emanava do seu sorriso. Os braços firmes que tantas vezes ofereceram abrigo.
Eu não pude aproveitar por muito tempo. Convivi tão pouco e em uma idade que não me permite ter tantas lembranças assim. As poucas que ainda tenho guardadas trazem a confirmação de que a dor da perda não é passageira. Depois de tantos anos você continua aqui, presente e constante entre todos nós.
Não sei definir com exatidão e clareza, a imensidão do meu sentimento ao escutar seu nome ou as inúmeras histórias das quais você participou.
São tantas pessoas, tantas palavras e elogios. E agora, o sentimento que invade o peito é de satisfação. Orgulho por conhecer seu lado humano, felicidade por reconhecer que eu tenho seu sangue correndo nas veias. Sei que você está comigo, não só nas lembranças, mas do lado esquerdo do peito. Onde não há barreiras, nem distância. Sempre se fará presente nas dificuldades, onde pedirei sua ajuda para superá-las, ou até mesmo nas conquistas, onde agradecerei e dedicarei a ti, a glória do mérito. Agora, percebo que você não está tão ausente assim. A ausência é meramente física. Mas ainda posso sentir, enquanto sonho, seu abraço apertado. E os sonhos são tão reais. Sua presença é natural e necessária. Abro os olhos e não consigo distinguir o real do imaginário.
Olhei mais uma vez a sua foto e tirei os resquícios de poeira que insistiam em tampar seu sorriso. Nada me faria esquecer dele. Nem mesmo o tempo..
Deixei a sala de estar com o coração pulsando forte no peito.
E como nas histórias em quadrinho, que o personagem principal se espelha em um herói para viver e tomar as atitudes corretas, eu me espelho em você.
Deixei escapar um sorriso orgulhoso por saber que é em ti meu porto seguro. Obrigada por ser e se fazer presente.
Meu herói. Meu herói da vida real.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O amor da juventude. A juventude do amor..






Me perdi no túnel. Não vejo a luz. Os olhos já se acostumaram com a escuridão.O coração não.
Você diz que acabou. Nosso amor morreu. Já não quer viver assim.O sentido se perdeu. E eu?
O frio tomou o corpo.A mágoa abraçou a alma. O calafrio apossou-se da espinha. A respiração deixou de ser calma.

Os fantasmas da solidão rondam meu travesseiro. Não consigo dormir. Passeei pela casa e relembrei os momentos. Tomei um café e chorei meu tormento.
Projetei teu sorriso na parede. Perfeito. Intacto. Pensei em te ligar. Lembrei em te esquecer.
Imaginar a vida sem você. Já não sei o que fazer. Rodar o mundo.. Pra onde correr?
Fico vulnerável sem o escudo do teu abraço. Suspirei. Vencida pelo cansaço. Adormeci com a lembrança do teu beijo..
Acordei com as batidas da solidão. A cama ainda está vazia. O quarto ainda tem seu cheiro..
O tempo parou aqui dentro. A vida passa apressada lá fora. Nos braços de quem, estará você agora?

Sorri com as lembranças. Me surpreendi com a descrição daquele amor. Na época foi cravado na pele. Hoje, é só mais um quadro embaçado.
Lembrei-me com saudade dos tempos da juventude. A intensidade presente nos momentos. A efemeridade enchendo os pulmões de vida.
A adrenalina se espalhando pelas veias. O desejo daquele olhar apaixonado. Hoje, é só mais uma lembrança com gosto de saudade.
O cheiro do café recém passado, me trouxe de volta ao presente. A responsabilidade constante. A comodidade dos momentos..
Peguei uma caneta e escrevi na última folha daquele diário..
É gostoso lembrar do amor da juventude. É penoso redescobrir a juventude do amor.

Passos para a solidão..






Enquanto caminhava pela rua, era presenteada pelo brilho da lua que insistia em me seguir. A rua estava deserta.
Só se ouvia o barulho do vento que batia gelado em meu rosto. Sentia meu corpo frio. Por dentro e por fora.
Abaixei minha cabeça na tentativa de fugir de uma rajada de vento que soprava ainda mais forte e congelante.
Ao levantar meu olhar, te vi. Estava ali, parada. Naquele mesmo lugar. Na mesma calçada que me remetia tantas lembranças.
A calçada em que fora palco de brincadeiras e corridas animadas de bicicleta.
E você nem se importava se eu ainda usava rodinhas..
Abria os braços, um sorriso e me esperava com palavras de incentivo.
Eu já não me importava com os vários tombos.
Levantava, batia as mãos nos joelhos, tirava a poeira e seguia sorrindo para mais uma tentativa.
Você me olhava orgulhosa e meu peito se enchia de ternura.
E foi em uma tarde ensolarada, após várias quedas e tentativas, que eu aprendi a andar sem rodinhas..
Pedalava a bicicleta e equilibrava meu próprio peso. Sozinha. Sem tombos.. Sem machucados.
O abraço que ganhei recompensou cada segundo de esforço. Eu me sentia protegida nos teus braços.
Balancei a cabeça na tentativa de expulsar os pensamentos e lembranças que me assaltavam a cada passo.
Em vão.. Eu continuava te olhando. Recordando.. Me torturando.
A vontade de correr por aquela calçada, pular em seus braços, me aninhar e sentir protegida novamente era imensa.
Mas você não abriu os braços, não sorriu e nem me esperou.
Você saiu da calçada e atravessou a rua.
Você está sempre atravessando a rua e aumentando a distância entre nós.
Senti a mágoa congelar minha nostalgia, endurecendo cada traço do meu rosto.
O coração com hipotermia, fez virar gelo aquela lágrima solitária que tentava, sem sucesso, derreter meu orgulho.
Entrei em casa e deixei que as lembranças daquele tempo se espalhassem com o vento,
seguindo os passos que trilhei e encontrando o abrigo no abraço da solidão.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Rosa dos ventos..




Segurando o porta- retrato com a moldura grossa e cuidadosamente limpa, ela observava a foto em que todos sorriam felizes e unidos.
'' Quando será que tudo se perdeu ? '' . Era o que se perguntava,enquanto analisava a foto que tanto lhe chamou a atenção.
Olhou em volta e se viu em vários outros porta- retratos, sentiu uma sensação estranha, que ainda não sabia definir. Voltou sua atenção para a mesinha de centro, pegou um único porta-retrato que estava coberto pelo pó, soprou. Se viu. Não se reconheceu.
Os olhos azuis tinham um brilho incandescente, os cabelos negros caiam pelos ombros e nas pontas formavam pequenas cascatas. A felicidade em que se viu na foto, aqueceu seu coração por um breve momento. Estava sentada embaixo de uma árvore, rodeada com as folhas e flores que caíam da mesma. Segurava um livro e sorria docemente. Sentiu um forte aperto no peito e uma dor intensa fazia com que sua cabeça latejasse. Sentou-se. Apertou forte as duas mãos na cabeça tentando, inutilmente, arrancar a dor. No peito a sensação de perda se instalou. A dor na cabeça aumentou. Seu corpo se contorceu.
Flashes surgiam a todo instante, confundindo ainda mais sua mente. Transportou-se para outra dimensão.
Ao longe, observava uma linda menina dando os primeiros passinhos e ganhando o abraço dos pais. A pequena correu em sua direção. Daquela distância pôde perceber que a linda menina, tinha os cabelos negros como a noite e o sorriso doce como o luar. Seus olhos azuis estavam claros como o céu daquela tarde. Se reconheceu. Se perdeu. A pequena garota lhe estendeu a mão e balbuciou algumas palavras recém aprendidas.
Tentou tocar-lhe a mão, não conseguiu. A dor na cabeça se tornou mais forte. Abaixou-se. Fechou os olhos e deixou seu corpo se contorcer, acompanhando a dor. Abriu os olhos.

– Não pode maltratar o gatinho, Camilinha.
– Mas ele me arranhou, vovô.
– Ele não fez por querer, o bichinho só queria brincar contigo.
– Arranhar é brincar, vovô?
– Na natureza dele sim, florzinha.
– Eu não gostei dessa tal natureza dele. Não gosto de machucar os outros.

Agora estava ali, observando aquele velho senhor apertar o nariz e rodar aquela pequena menina que havia lhe estendido a mão.
Deixou-se levar pelo som da gargalhada que ecoava por sua cabeça. Fechou os olhos e sentiu a leve brisa tocando seu rosto.
Abriu-os novamente e agora, estava sentada ao lado de uma menina que dormia serenamente.
Acendeu-se a luz. De onde estava, observou a linda mulher dos cabelos longos e castanhos se aproximar, dar um beijo na testa da menina e sussurrar- lhe ao ouvido. Virou-se em sua direção e pode perceber seus olhos naquela mulher, a mesma cor, o mesmo formato. Tentou se aproximar, não conseguiu.. sentia seu corpo se afastar lentamente. Ainda pôde ouvir a voz da mulher – que agora estava distante, quase inaudível – lhe desejando boa noite. Deixou-se afastar mais uma vez. Já não controlava suas ações. Pensamentos e lembranças invadiam-na a todo instante.
A dor na cabeça que havia cessado, voltou. Dessa vez mais intensa. Apertava sua cabeça, contorcia seu corpo e gemia de dor..
Não sabia mais onde estava. Ouvia vozes, mas não conseguia identificar nenhuma. As lembranças surgiam cada vez mais rápido, não conseguia distinguir as cenas.. Parou. O silêncio reinou. Olhou em volta. Se viu em um roseiral. Imenso, imune. O vento trazia o perfume das rosas de encontro ao seu rosto..
Caminhou lentamente e tocou em uma rosa. Se encantou. Ao tocar a rosa, seu coração se preencheu Afastou-se do vazio e da solidão.
Tentou arranca-la. Sentia necessidade em ter a rosa para si. Seu instinto não se pôs em alerta ao ver um espinho. Puxou a rosa. O espinho adentrou em seu dedo. Sangrou.. Retirou o dedo e se assustou com a quantidade de sangue que saia. Se desesperou. Olhou em volta e viu que todas as rosas haviam murchado.
No céu, uma tempestade se formou.. Raios, trovões e tímidos pingos de chuva destoavam pelo ambiente. O medo invadiu-lhe o corpo. Pôs-se a correr..
As gotas de chuva aumentavam e limpavam o sangue, que escorria agora de seus olhos e boca. Ela não sentia dor, só medo. Não conseguia entender como um pequeno espinho havia lhe ferido com tamanha intensidade e em tantas partes do corpo. Correu mais rápido. A chuva a acompanhou.
Avistou uma casa em meio ao extenso roseiral. Correu em sua direção. Bateu na porta e esperou angustiada. Ninguém. Bateu novamente. Nada.

Estava perdendo muito sangue. Começou a se desesperar.. Já ia se afastar, quando ouviu um barulho vindo de dentro da casa. Esperou. A porta se abriu.

– Mãe?
– Entra, filha! Ta chovendo muito aí fora.
– Mãe, como? O que ta acontecendo? Eu.. olha, eu to perdendo muito sangue.
– Psii.. Não fala nada! Ta na sua hora, filha.

– Hora? Hora de quê, mãe? Por favor, me ajuda.. Me abraça.
– Ta na hora de voltar. Ta na hora de se encontrar novamente! A vida te deu uma segunda chance. Aproveita. Faça diferente.
– Mãeee.. Não.. Eu to morrendo! Eu to sumindo, me ajudaa.. Mããeee..



Acordou em um lugar diferente. As paredes eram todas brancas, havia um criado ao lado da cama em que estava, um quadro de Nossa Senhora na parede e um crucifixo em cima dele. Tentou mexer o braço e se viu presa a um suporte de soro. Começou a entender melhor, estava em um quarto de hospital. '' Por que? ''. Se questionou. Sentia uma dorzinha incômoda no peito. Abaixou um pouco o lençol que a cobria e se assustou ao ver a enorme cicatriz e os pontos, que pareciam ser recentes. Ouviu uma leve batida na porta e viu sua mãe entrar. Sorriu ao lhe ver .Tinha tanta coisa a perguntar, entender..



– Mãe?
– Filha! Não acredito que você acordou! – disse lhe abraçando.
– O que aconteceu? Eu não entendo.
– Você não lembra de nada?
– Não.. eu... Não lembro.
– Tem certeza que quer saber? O médico disse que isso poderia mesmo acontecer, mas era pra esperar você se recuperar e estar mais forte.
– Eu preciso, mãe. Ta um vazio aqui dentro. – apontou em direção ao coração. – Parece que falta alguma coisa. Eu não sei o que ta acontecendo.
– Eu vou te explicar, filha. – suspirou cansada – Acho que você ta tendo uma segunda chance de viver e não pode levar esse vazio ai contigo.
'' Segunda chance de viver '' ? – Pensou ainda mais intrigada.
– Fala logo, mãe. Ta me deixando nervosa.
– Há alguns meses atrás, você chegou em casa ainda mais feliz e sorridente do que já era. Logo percebemos que algo havia acontecido. Você estava radiante e com um brilho intenso no olhar. Te perguntamos e logo você contou que havia se apaixonado. Depois daquele dia eu vi você se tornar uma pessoa doce e feliz. Passou a viver seus dias intensamente, curtindo e alimentando esse amor. Até que..
– Até que? – perguntou aflita.
– Até que descobriu que o seu amor havia sido traído. A pessoa pela qual você dedicou todo seu amor, quebrou sua confiança. E depois daquele dia você se transformou completamente. O sorriso desapareceu de seu rosto, trancou seu coração e não abriu para mais ninguém.
– Nossa! Eu fiz tudo isso? – perguntou surpresa – Mas porque eu estou aqui, mãe? E o que é essa cicatriz aqui no meu peito?
– Você tentou se matar, filha. – sussurrou – Conheceu a rosa do amor, se aventurou e se perdeu por ela. Viveu tão intensamente esse amor que não se preocupou com os espinhos que o rodeavam. Você sempre foi uma pessoa generosa, nunca pensou somente em si mesma e até nessas horas você preferiu se ferir, para não ferir outra pessoa.
– Co.. como? – balbuciou.
– Um tiro no coração. Os médicos ainda não sabem explicar como você sobreviveu. Foi um milagre, minha filha. A vida lhe sorriu e você agora tem uma nova chance de viver. Seja cuidadosa e preocupe-se não só com a rosa, mas também com o espinho que a cerca.



Segurando o porta- retrato com a moldura grossa e cuidadosamente limpa, ela observava a foto em que sorria feliz.
'' Quando será que me perdi ? – Se questionou. – Tenho que buscar na imensidão do infinito o sorriso que deixei para trás. ''
Fechou os olhos.



– Vovô ? O senhor? Onde eu estou?
– Calma, Camilinha. Tá tudo bem! O vovô veio só pra te lembrar de uma coisinha. – tomou - lhe o rosto nas mãos e olhou diretamente em seus olhos – Não feche seu coração novamente. O amor é o sentimento mais sublime que o ser humano possui. Não tenha cuidado com o espinho, mas cultive a rosa para que ele não seja tão visível. O espinho que te machucou.. murchou sua rosa, mas também lhe deu uma nova chance de perpetuar tua flor.
– Eu não to te entendendo, vovô. Aonde o senhor quer chegar?
– A sua segunda chance de viver, veio da mesma pessoa pela qual você queria tirar a primeira.
– Continuo não entendendo.
– A razão do teu sofrimento, filha. Doou o sangue que você precisava pra transfusão e salvou tua vida. Acho que essa parte era muito importante e tua mãe não tinha te contado ainda. Teu roseiral ta florescendo novamente. Cuide dele. Acenda esse teu coração gelado. É a hora de colher os bons frutos e regar as flores novas. O vô te gosta muito. Te cuida, minha neta.

Abriu os olhos.
Voltou sua atenção para a mesinha de centro, pegou um único porta-retrato que estava coberto pelo pó, soprou. Se viu. Se reconheceu. Sorriu.
O sorriso que tanto procurava.. estava ali, bem diante de si. Ouviu uma batida tímida na porta. Seu coração acelerou. Era o amor.
O amor que voltou a colorir seus dias. O roseiral vai bem. Continua florido.
Os espinhos são cuidadosamente aparados a cada novo amanhecer. Anunciando mais uma chance que o destino lhe deu de viver.

Mundo meu. Meu mundo..




Espero com ansiedade pela ultima apresentação do astro rei. A brisa suave anuncia o despertar tímido da lua. Cheia.
Os reflexos iluminando a alma, enchendo os olhos e acelerando o coração. Coloco a mochila nas costas e rodo pelo mundo.
Me deixo guiar pelo brilho das estrelas, que anunciam a eternidade a percorrer. Saltar do abismo. Desfazer do egoísmo.
Sigo o horizonte do meu coração. Intenso. Infinito. Exploro países e culturas. Descubro pessoas e provérbios.
Busco na imensidão do céu, a liberdade que procuro. O desejo de independência transborda pelos poros.
O vento toca meus cabelos, e anuncia que é hora de partir. Correr. Correr para me distanciar de uma realidade perfeita-mente vazia.
Preencher o abismo, ocupar a solidão. Descobrir novos caminhos, navegar meus sentimentos.
Afogar-me em pensamentos que não me permito ter. Aflorar meu interior oculto. Deixar emergir as mágoas que enterrei.
Outro espaço. Outra vida. Outro tempo.
A necessidade de viver é a mesma de respirar. Circular o sangue. Bombear o coração.
Não choro mais pelos amores que ficaram para trás, os guardo nas lembranças que compartilharei com a saudade.
Saudade que nas noites frias é minha doce companhia. Compartilhamos segredos, dividimos histórias. Acompanhamos cada chama da fogueira que lentamente se apaga.
É hora de deixar o passado para trás. É hora de celebrar o descoberto.
Um café quente para aliviar o frio que cai da noite. Uma foto pra não deixar que morra tua ultima lembrança. Um sorriso pra chamar a felicidade que transborda. Um abraço imaginário para transcender a dor da perda. A perda da comodidade, da vontade de me fazer presente em um só lugar. Não quero ter os pés presos ao chão. Já não me basta. Preciso de mais. Preciso ter a certeza de que tenho o infinito ao meu favor. Dispor.
Não há mais espaço para receio. Deixei o medo. Deixei o lar.
Tirei o casaco e guardei as máscaras. Dei fim ao personagem. Cortei os fios do impossível. Assumi o controle do inevitável.
Rasguei as roupas e expus meu lado mais fraco. Franco. Sincero. Começar de novo. Sem enganos, desencontros.
Para mim. Comigo. Por mim. Contigo. Inverter a sobreposição da razão. Romper a corrente dos segredos.
Deixar fluir a emoção. Suspirar a verdade. Expirar felicidade.
Em cada anoitecer eu busco o que desejo. Alcanço o que almejo. Esqueço o que padeço. Entendo que mereço.
Em cada anoitecer viajo pelo mundo. Meu mundo. Perfeito. Meu..
O astro rei invade a janela e insistentemente queima meu rosto com os raios da manhã. Os pássaros cantam lá fora, anunciando o despertar de um belo dia.
Abro os olhos e vejo que ainda estou no mesmo lugar. Deixo escapar um suspiro cansado. Igual.
A sensação de estar presa ao chão se fez mais forte. A beleza da manhã passou despercebida.
Vesti o casaco, coloquei as máscaras.
O dia vai ser longo.
Guardei as asas ao lado do travesseiro. Dentro dele está meu universo paralelo.
Desacelerei a rotação do meu mundo. Dei pausa no filme.
Continuo ao anoitecer.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A dupla face do tempo..





Eu estava ali, ao lado dela, tentando a todo instante provar que eu era mesmo confiável. A verdade é que sempre estive ao seu lado, desejando seu bem, velando seu sono. Só ela não viu. Não me ouviu.. Não resistiu.
E eu continuava ali, arrastado.. olhando fixamente para aquela criancinha. Frágil. Sensível. Fechei meus olhos e ao abrir, não vi mais aquela menininha. Vi uma garota. Decidida. Orgulhosa.. Tentei me aproximar, ela virou seu olhar em minha direção e eu entendi o significado. Passei longe. Apressado..
A garota viveu. Se envolveu. Sofreu.. E eu ainda continuava ali. Agora, vendo aquela moça se trancar, deixando o amor passar.. A ferida demoraria a cicatrizar. E mais uma vez eu estava disposto a ser o remédio. Deixar que o tédio não ocultasse a beleza da vida. Ser a pele à cobrir a ferida. Ela não quis. Negou ser feliz..
E a moça ganhou rugas. Experiência. Idade.. Só não veio com ela, a tal felicidade. A porta ainda estava trancada. A ferida aberta. Coração alerta..
E depois de tantas transformações e mudanças, permanecia intacta: a falta de esperança. Eu já não conseguia entender como aquela criança tão cativante, mudou tanto o seu semblante. Duro. Frio. E eu.. Eu tentei tanto, de todas as formas. Ela não quis saber. Deixou de correr em minha direção..
E agora, ela estava ali, sentada naquele balanço vazio me esperando chegar. Ofereci minha mão. Ela apoiou-se na bengala e juntos atravessamos a rua. Seu olhar estava direcionado aos seus pés. Ela olhava os passos pequenos, dificultados pelo peso da idade. Sentiu um olhar pousar sobre si e num gesto automático ergueu a cabeça. Encontrou o que não queria. Sentiu o que não devia. Os passos se tornaram mais rápidos. A pressa. A necessidade de viver era sufocante.
Puxei levemente a sua mão. Olhei fundo em seus olhos. Era tarde. Eu já não poderia estar ali.. Peguei em sua mão fria. Levei seu corpo para um lugar tranqüilo. Dei um beijo em sua testa. Olhei mais uma vez para aquela menina. E conclui com pesar que nunca fora tão difícil ser o tempo.

Maldito Amor. Amor mal dito..




Maldito Platão
Maldito amor
Maldito de quem
inventou essa dor..

Maldita Afrodite
e o dia mais triste
Maldito cupido
e essa paixão
sem sentido

Maldito olhar
Maldito sorriso
Maldito coração
que perdeu o juízo

Maldito céu
Maldita lua
Maldita boca
que deseja a tua

Maldito tremor
Maldito ciúme
Maldito cheiro do seu perfume

Ah! Maldito amor
que me colocou em mal costume..

O Infinito e sempre.




Cartas, poemas e fotos envelhecidas pelo tempo. As traças saboreiam o gosto do passado. O cheiro do abandono sobrepôs ao teu perfume.
A solidão me observa, escondida atrás de móveis e paredes. Abro as janelas e deixo que a vida entre novamente. A brisa trás consigo o cheiro da recordação.
A saudade reconstrói sorrisos. A tua foto na parede está incompleta. Refaz momentos. A lembrança do teu olhar ficou distante. Retoma o inesquecível. O aperto do teu abraço não conforta. Sufoca o coração. Reabre a ferida. Aperta o peito.
Não fui forte o suficiente. Abandonei aquele lugar que, por tantas vezes, fora meu porto seguro. Deixei minha alma para trás.
Sentei-me na areia e acompanhei o movimento das ondas. Senti a água fria tocar-me os pés. Meu castelo de ilusões não resistiu. Desmoronou.
As lágrimas caem. Sinto o sabor do mar. O sol não traz o calor que preciso. Ilumina o vazio.
A tua ausência deixou lacunas que nem o tempo fora capaz de preencher. Vejo meu reflexo na imensidão do azul.
Perco-me no abismo que há em mim. A parte oculta que não quero desvendar. A causa do mistério em meu olhar..
Ofereci teu corpo ao mar. Joguei tuas cinzas ao vento. Confessei às estrelas, que se fora com você, minha metade iluminada.
As correntes marcam a pele. Impedem a circulação do sangue. O coração trancado. As chaves já não servem. .
O tempo passa e não me permito sair do lugar. Lembro-me das tuas palavras, ditas ao luar. Eu te amo, para sempre vou te amar.
Em um último suspiro.. você jurou voltar. Nem que demorasse outras vidas, você viria me buscar.. Te espero, para sempre vou te esperar.
Meu coração bate com o som da tua promessa. O sangue circula com a força da esperança . A mente se contenta com o desejo do reencontro.
Por que demoras tanto? Já não agüento sofrer a tua espera.
Com os braços abertos, me jogo ao leme do destino..
O horizonte já não está distante. A areia arrasta minha tristeza. O sol ilumina o caminho.
As ondas levam meu corpo para longe de mim. Para perto do meu amor.
Juntos seguiremos pelo infinito.
A eternidade é nosso lar.

A Melancolia de um sorriso.




É hora do espetáculo. O lugar está cheio. Pessoas ainda estão chegando. A música toca alegremente, convidando ao show que está por começar. Por trás das cortinas, posso ver algumas crianças se lambuzando com a maça do amor, outras, se deliciando com o algodão doce. Os pais se dividem em cuidar dos filhos e apreciar a batatinha frita que está deliciosamente salgada. O refrigerante está gelado. Integrantes do espetáculo vendem brinquedos e lanterninhas coloridas. As pessoas se encantam. Pessoas diferentes, unidas em um só propósito. O acordo silencioso, de que deixariam os problemas lá fora. O trabalho foi cansativo. Os negócios desandaram. A vida lá fora está parada. Hoje, a noite vai ser de diversão. Acompanharão as crianças no riso inocente. Deixarão que as pedras fiquem do lado de fora do caminho. As contas que ficaram por pagar, deixarão espaço para as lembranças da infância. Aquele tempo em que tudo era motivo para festa, será novamente vivido. Só por hoje, a noite vai ser apreciada. Sem culpa. Sem medo.
O assistente bate à porta e avisa que está na hora. O movimento se intensifica. Bailarinas repassam seus passos, amestradores relembram as palavras de comando.
Retoquei a maquiagem. Ensaiei o meu melhor sorriso. Dei vida ao personagem. É hora do show.
O picadeiro se ilumina. Os olhares se voltam em minha direção.As piadas gastas e repetidas, ainda provocam risadas. Fazem brotar pelos poros a essência escondida. A infância esquecida. Os lábios se movem involuntariamente.O ambiente se ilumina com a imensidão dos sorrisos. A nostalgia se propaga pelo ar. O cheiro de outro tempo se faz presente. No olhar, passa o filme em branco e preto.A molecada ainda corre, joga bola pela rua. A pipa é facilmente controlada por mãos hábeis, que hoje lidam com instrumentos diferentes. O pé de manga ainda está carregado. A festa de São João movimenta a cidade. Recebo aplausos e gritos entusiasmados. Meu número chega ao fim. É hora de outros artistas ganharem a atenção do público. Retirei a maquiagem. Olhei-me no espelho.
Avistei meu rosto pálido. O filme é colorido. Guardei meu melhor sorriso para o próximo espetáculo. A realidade bateu na porta. Trouxe com ela a amargura dos dias reais. A solidão se instala novamente em meu peito. Palhaço Melancolia. Alegrando da vovó a titia. Um último suspiro antes de enxergar no espelho, o reflexo de um olhar sem brilho. A vida lá fora me espera. Não consigo carregar a alegria do personagem. Viver feliz só por uma noite, já não basta. Minha infância não traz boas lembranças. A amargura tomou meu coração. Desviei meu olhar do espelho e fixei no chão. Palhaço. Melancolia. Sem olhar. Sem alegria.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Além do Personagem - O texto.





Hoje, quando acordei, senti que o chão não estava sob meus pés. Olhei em volta e não me reconheci naquele lugar. A estranha sensação de estar no lugar errado, de não pertencer a este mundo. Será que sou um habitante de outro planeta? Galáxia, talvez.
Relembrei rapidamente as cenas do dia anterior e deduzi a fonte de tal sensação. É difícil viver de acordo com o que as outras pessoas esperam. Não poder ser verdadeiramente você por medo de decepcionar e não corresponder às expectativas de quem te ama. Ver o plano de sua vida ser milimetricamente traçado por outra pessoa. Desejos, conquistas. Medos, frustrações e ilusões projetadas para uma vida inventada. Ter a estranha e confortante sensação de se sentir completo ao ficar somente consigo mesmo. As outras pessoas não são o bastante? Não quando você não se encontra na presença delas. É difícil interpretar e dar vida ao seu próprio personagem. Representar um lado seu programado. Robotizado. É esse lado do ser humano que eu gostaria de entender. Por que nós idealizamos tanto um outro alguém? Chegamos ao ponto de não conseguir conviver com defeitos e manias, porque no nosso protótipo de pessoa perfeita, essas características não constam no manual.
Somos capazes de nos anular e reprimir para satisfazer essa idealização. Até que ponto isso é amar? E o amor, resiste mesmo a tudo isso? Eu deixo de ser feliz para ver as pessoas que amo felizes e satisfeitas com atitudes que não são da minha vontade. Elas são egoístas ou a egoísta sou eu em querer ser feliz? O difícil é conviver com essa minha voz rouca. Nula. Não sei gritar meus deveres. Não consigo impor meus direitos. Enquanto sigo encenando nesse teatro da vida, o meu verdadeiro eu está aqui. Nu. Cru. Pronto pra ser desvendado.